A Universidade do Estado do
Amazonas (UEA) acaba de formar 34 professores indígenas no
curso Pedagogia Intercultural, na região do Vale do Javari, no
oeste do Amazonas. A outorga de grau ocorreu na última semana, no município de
Atalaia do Norte (distante 1.138 quilômetros de Manaus). A instituição de
ensino superior do Governo do Amazonas é a primeira do país a oferecer esse
tipo de formação.
“A gente tem trabalhado para ofertar o ensino
escolar indígena em 50 municípios para mais de 9 mil alunos da nossa rede
estadual de ensino, e a formatura de 34 professores indígenas no curso
Pedagogia Intercultural por meio da nossa UEA reforça esse nosso compromisso de
elevar a qualidade da educação que chega aos povos tradicionais”, destacou o
governador do Amazonas, Wilson Lima.
Os formandos pertencem às etnias Marubo, Matis, Matses e
Kanamari, espalhadas pela terra indígena do Vale do Javari, localizada na
região da tríplice fronteira – Brasil, Peru e Colômbia –, onde vive o maior
número de grupos indígenas em situação de isolamento voluntário do mundo.
A solenidade de entrega dos diplomas contou com a
presença da vice-reitora da UEA, Kátia Couceiro, representando o reitor André
Zogahib. Ela, acompanhada do pró-reitor de Ensino de Graduação, Raimundo
Barradas, prestigiou e se emocionou durante o evento.
“Hoje é dia de festa. Não me recordo, ao
longo de meus anos como professora na UEA, de um momento tão especial e
emocionante como esse. É muito bonito ver a alegria estampada nos rostos de
todos vocês. Estamos formando profissionais que se dedicaram arduamente e que,
a partir de agora, levarão o nome da UEA para as suas comunidades. Essa é a
nossa missão”, disse a vice-reitora.
Durante a colação, foi apresentado vídeo do reitor André
Zogahib parabenizando a turma, todos os coordenadores e os 24 docentes
envolvidos na realização do curso, sendo quatro deles indígenas.
“É com muita satisfação que a UEA forma 34
professores indígenas, que irão trabalhar nas comunidades do Vale do Javari.
São profissionais da mais alta competência, da mais alta qualidade, que vão
prestar serviços também em suas comunidades indígenas”, ressaltou.
Orgulho
Segundo André Zogahib, a UEA se orgulha muito dessa
formação. “Venho aqui dar os meus parabéns, enquanto reitor da UEA, por esse
feito, por essa dedicação que vocês tiveram ao longo dos anos, estudando na
nossa universidade o curso de Pedagogia Intercultural Indígena”, frisou, dando
os parabéns aos formandos nas quatro línguas diferentes, conforme as etnias.
Os pedagogos também não escondiam a sua felicidade e
expectativas: de crescer na profissão abraçada e ajudar ainda mais suas
comunidades.
Para o formando Walmir Marubo, da etnia Marubo, concluir
a graduação em Pedagogia, aos 42 anos de idade, serve como motivação para
seguir atuando como docente. Walmir, que iniciou a carreira na área há 18 anos,
vem da Comunidade Liberdade, um local distante de Atalaia do Norte, onde ele dá
aula para crianças e adolescentes.
“Foi um grande desafio conseguir concluir o
curso, pois é um trajeto longo e complicado até Atalaia do Norte. Somos
guerreiros por termos enfrentado todas as dificuldades e adquirido este
conhecimento importante para ajudarmos nosso povo”, comentou.
Valorização
Da etnia Kanamari, José Ninha Tavares, 49, explica que a
vontade de querer ser professor surgiu da necessidade que seu povo tem na área
da educação. Segundo ele, os conhecimentos não indígenas são totalmente diferentes
da realidade das comunidades, o que acaba dificultando o aprendizado.
“Precisamos valorizar e fortalecer o que é
nosso, pois o aluno precisa entender, primeiramente, o seu próprio mundo para
depois descobrir novos conhecimentos. Por isso, é importante assumirmos o papel
de educadores”, pontuou José Ninha, um dos mais emocionados durante a cerimônia
de colação de grau.
Curso sem evasão
O curso Pedagogia Intercultural Indígena, ofertado por
meio do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) e
vinculado à Escola Normal Superior da UEA, teve como coordenadora a professora
doutora Célia Bettiol, que se empenhou para evitar a evasão. Ela contou com a
ajuda da coordenadora pedagógica do curso, professora doutora Ádria Duarte; do
linguista do curso, professor doutor Sanderson de Oliveira, escolhido como
paraninfo da turma; e da coordenadora local do Parfor, professora Zilma da
Costa.
“Não houve desistência. O curso iniciou com
35 alunos e terminou com 34 formandos. Infelizmente, perdemos um durante a
pandemia da Covid-19”, destacou a professora Célia.
Segundo a coordenadora, as aulas tiveram ênfase na língua
própria de cada etnia e no uso do português como segundo idioma. Também foram
utilizados materiais didáticos específicos com o objetivo de contemplar o
fortalecimento dos saberes tradicionais.
“Para escolas indígenas, professores
indígenas. Essas escolas são interculturais, bilíngues, específicas de um povo.
Por isso é tão importante ter professores indígenas formados que possam cuidar
do processo pedagógico e fazer a diferença no sentido de dialogar os
conhecimentos da sociedade com os saberes de seu próprio povo”, explicou Célia
Bettiol.
A cerimônia de colação de grau, que reuniu formandos,
seus familiares e professores, aconteceu no ginásio Professor Lucival Brotas, e
contou também com a presença do prefeito de Atalaia do Norte, Dênis de Paiva; e
da coordenadora regional substituta da Fundação Nacional do Índio (Funai),
Mislene Mendes; dentre outros representantes da sociedade civil.
Etnias e a educação
Os professores indígenas das etnias Marubo, Matis, Matses
e Kanamari são povos que tiveram o contato com a sociedade nacional
intensificado a partir da década de 1970. A escolarização desses povos teve
início a partir do final da década de 1980.
Na década de 1990, começou a ser ofertado o curso de formação
em níveis fundamental e médio, oferecido pela Secretaria de Estado da Educação
e do Desporto. Naquele período, os alunos tiveram suas formações interrompidas
por conta de uma pandemia de Cólera e Hepatite Delta que afetou todo o
território do Vale do Javari.
Durante a pandemia de Covid-19, na última etapa antes do
encerramento do curso de nível superior, as aulas foram suspensas em respeito
às medidas de biossegurança. Neste período, o curso esteve em luto pela perda
do aluno Benedito Marubo, o primeiro professor indígena de seu povo e sábio
conhecedor do Vale do Javari.